O Cinismo da Reciclagem



Formação do Reducionismo
A questão do lixo é apontada como um dos mais graves problemas ambientais urbanos. A necessidade de lidar com esse problema promoveu o surgimento da Política ou pedagogia dos 3R's (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) que inspira técnica e pedagogicamente, meios de enfrentamento da questão do lixo.
No entanto, muitos programas de educação ambiental nas escolas são implementados de modo reducionista, desenvolvendo apenas a Coleta Seletiva de Lixo, em detrimento de uma reflexão crítica e abrangente a respeito dos valores culturais da sociedade de consumo, do consumismo, do industrialismo, do modo de produção capitalista e dos aspectos políticos e econômicos da questão do lixo.
A reciclagem entra no cenário da problemática ambiental como uma ferramenta que aumenta a vida útil dos aterros, diminui a poluição destes locais; e da constatação do esgotamento dos recursos naturais segundo projeções futuras do Clube de Roma (1978), se as tendências na exploração mineral na forem alteradas.

A política dos 3 R's 
Carvalho (1991), ao analisar o discurso ambientalista brasileiro aponta a existência de 2 matrizes.
Um discurso ecológico oficial enunciado pelo ambientalismo governamental, representante da ideologia hegemônica e encarregado de manter os valores culturais instituídos na sociedade, tendo o discurso governamental a mesma postura do ambientalismo empresarial;
E um discurso ecológico alternativo, corporificado pelo movimento social organizado, representante da ideologia contra-hegemônica e encarregado de disseminar valores subversivos à ordem social e econômica instituída.
Para o discurso ecológico alternativo, a questão do lixo é um problema de ordem cultural e, assim, situa a cultura do consumismo como um dos alvos da crítica à sociedade moderna. Segundo Ekins(1998a), desde que Adam Smith afirmou que a produção tem como finalidade o consumo a economia estabeleceu como objetivo aumentá-lo, e ele passou a ser entendido culturalmente como sinônimo de bem-estar. 
O problema é que atualmente o consumismo é visto também como responsável por uma série de problemas ambientais e, desse modo não pode mais ser compreendido unicamente como sinônimo de felicidade.
Os indivíduos consomem bens que se tornam obsoletos antes do tempo, a vida útil dos produtos torna-se cada vez mais curta, e nem poderia ser diferente, pois há uma união entre a osolecência planejada e a criação de demandas artificiais no capitalismo. Esse é problema do consumismo, uma questão eminentemente cultural, relacionada à incessante insatisfação com a função primeira dos objetos em si.

Dessa forma existem, portanto, duas interpretações possíveis sobre o significado dos 3R's. Para o discurso ecológico oficial, não faz sentido propor uma redução do consumo, pois o problema para ele não é o consumismo, mas o consumo insustentável. Ou seja, o problema não seria cultural, mas técnico.

O tamanho dos benefícios ambientais da reciclagem
Em 1991 inicia-se a reciclagem de alumínio no Brasil pela empresa Reynolds Latasa, que detém o monopólio da produção e reciclagem das latas. Dentro desse contexto, é criado o Projeto Escola que está sendo adotado nos principais municípios brasileiros e conta com estabelecimentos associados, de escolas, restaurantes, igrejas, associações de moradores, condomínios, hospitais e unidades militares.
O projeto Escola consiste no estabelecimento de parcerias para o desenvolvimento de programas de educação ambiental e na troca de latas de alumínio vazias, limpas e prensadas por equipamentos como ventiladores de teto, computadores, bebedouros e máquias copiadoras.
O Instituto Virtual de Educação para Reciclagem afirma que no Brasil são produzidas em média 241.614 toneladas de lixo; e que o volume de latas de alumínio encontradas nos depósitos de lixo correspondem a 1% do total de resíduos. Bem, se o volume não é significativo, o argumento de que a reciclagem da lata de alumínio contribui para alongar a vida útil dos depósitos de lixo não se sustenta.
O fato é que o Brasil não deixou de extrair bauxita, nem reduziu sua produção de alumínio primário em função da reciclagem. Ocorre que, como qualquer outro negócio, o investimento na produção de alumínio depende da demanda interna e principalmente da externa que obedece o caráter exportador e é controlada majoritariamente por multinacionais.
A coleta seletiva, em especial da lata de alumínio, torna-se uma alternativa de geração de renda para uma parcela da população brasileira, cerca de 150 mil sucateiros vivem da lata de alumínio e são responsáveis por 50% do suprimento, esse argumento representa o caráter social defendido pela indústria. Nesse contexto, os catadores e sucateiros atuam como operários terceirizados da indústria da reciclagem, porém sem os benefícios trabalhistas. Segundo o autor a indústria paga os preços mínimos necessários a sobrevivência. A Latasa, única empresa que compra dos sucateiros as latas de alumínios vazias e também a única fornecedora de latas de alumínio para o mercado de bebidas, possui um extraordinário poder de negociação. Ora, isso quer dizer que se o Estado não atua como mediador das relações econômicas (pautadas por injustas relações de poder), no sentido da intervenção no mercado para a criação de uma concorrência perfeita para ambas as partes, na verdade, ele também compactua com o modelo neoliberal da acumulação do capital e concentração de renda em favor das elites econômicas.
O material é vendido em média a R$1.366,70 por tonelada, cinco vezes o valor papel branco. Reciclar alumínio significa obter um rendimento várias vezes superior a qualquer outro item reciclável.
Com o aumento do esclarecimento das pessoas, e os projetos de reciclagem, verifica-se uma expressiva queda da participação dos catadores nos índices da reciclagem: em 1992, 90% das latas eram recicladas por catadores, já em 2000, reciclavam apenas 35%. 
Meadows(1992) lembra que para cada tonelada de lixo gerada pelo consumo, vinte são geradas pela extração dos recursos e cinco durante o processo de industrialização.
Enfim, sem esquecer que os padrões de consumo praticados pelo primeiro mundo e pelas elites do terceiro mundo constituem a força propulsora do esgotamento ambiental. O cidadão consciente e responsável é aquele que cobra do Poder Público, por meio de processos coletivos de pressão, que o mercado ponha um fim na obsolescência programada e na descartabilidade, e, sobre tudo, que exige do Estado a implementação de políticas públicas que destruam os mecanismos perversos de concentração de renda. Se a educação ambiental pode ao mesmo tempo reverter tanto a degradação ambiental como a opressão social e a exploração econômica, por que não fazê-lo?

Philippe Promier Layrargues - O Cinismo da Reciclagem: o significado ideológico da reciclagem da lata de alumínio e suas implicações para a educação ambiental.
+http://www.semebrusque.com.br/bibliovirtual/material/ea/ea_pdf0005.pdf

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